O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SNMA) defendeu hoje que o Estado crie condições de trabalho mínimas nos bancos de urgência dos hospitais secundários e terciários do país, equipando-os com, por exemplo, monitores cardíacos. Não será pedir demasiado? E logo agora que, por exemplo, o Governo aprovou a construção de uma chancelaria na Alemanha, projecto avaliado em quase 12 milhões de euros?
A posição foi hoje manifestada em conferência de imprensa pelo presidente e pelo secretário-geral do SNMA, Adriano Manuel e Pedro da Rosa, respectivamente, quando apresentavam o caderno reivindicativo de 15 pontos submetidos a 6 deste mês ao Ministério da Saúde, que, no entanto, ainda não se pronunciou.
No caderno reivindicativo, os sindicalistas exigem que o Governo equipe os bancos de urgência dos hospitais secundários e terciários com medicamentos e material necessário para abordar doentes graves, nomeadamente desfibrilhadores, aspiradores, nebulizadores, ventiladores ou equipamentos de hemodiálise.
Segundo o presidente do SNMA, Adriano Manuel, a inexistência de condições de trabalho, cujos relatos apontam essencialmente as províncias da Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Cuanza Norte, Uíge e Zaire como as piores, faz regredir o bom desempenho da actividade.
“Encontramos essa grande disparidade. Os nossos colegas que estão na periferia durante muito tempo, quando vêm fazer especialização nos hospitais públicos, em quatro meses, nota-se uma disparidade muito grande, sentimos que muitos colegas não evoluíram”, disse.
Por sua vez, o secretário-geral do sindicato, Pedro da Rosa, considerou “inadmissível que hospitais terciários”, como por exemplo o Josina Machel ou o Américo Boavida, ambos em Luanda, capital do país, não tenham capacidade de atendimento de um doente crítico.
“O doente chegou em insuficiência respiratória, teve um trauma, precisa de ventilar e não tem o aparelho para isso. Isto é inadmissível e não é material caro. O país pode comprar e não tem. Porquê? Isso é uma pergunta que eu faço aos jornalistas e a quem de direito”, referiu Pedro da Rosa.
Adriano Manuel descreveu o desespero de colegas que, diante de um paciente com insuficiência respiratória, têm de decidir sobre a sorte do doente: ou deixá-lo estar no hospital sem oxigénio ou transferi-lo para outra unidade hospitalar privada numa ambulância sem oxigénio.
“Se ficar, vai morrer, porque não tem oxigénio, mas a ambulância que o vai transportar também não tem oxigénio. Então ele pensa: o que fazer? É melhor levar, porque, eventualmente, se chegar com vida, vão resolver o problema. Vivemos essa situação porque há doentes que morrem nas ambulâncias”, frisou.
Face à falta de condições, salientou o presidente do SNMA, muitos dos seus colegas colocados nos municípios do interior de Angola “saíram porque não encontraram condições para poder trabalhar”, optando por trabalhar em clínicas privadas em Luanda.
“E vai acontecer a mesma coisa com esses que vão fazer o concurso público. Se, eventualmente, não encontrarem as mínimas condições de habitabilidade e até de serviço, saem”, acrescentou.
Fora de Luanda, frisou, os médicos são colocados em casas sem luz, sem água. “Em muitos municípios do país, os médicos vão aos rios buscar água para tomar banho”, lamentou.
O Ministério da Saúde lançou este mês um concurso público com 7.667 vagas, das quais 1.500 para o ingresso de médicos e as restantes para promoções e actualizações de carreira.
A saúde é um bem maior do ser humano. Os Estados responsáveis (não é o caso de Angola) adoptam políticas e programas de saúde assentes na prevenção, mais barata que a da cura, visando rentabilizar melhor os recursos públicos que devem ser alocados a este importante sector.
Em Angola, para desgraça colectiva, o descaso governativo, pese a cobertura constitucional, deve-se ao facto de os dirigentes, recorrerem ao exterior, para tratamento e assistência médico-medicamentosa, logo a maioria da população é considerada escumalha, que não necessita de uma assistência digna.
O Governo angolano viola o art.º 77.º (Saúde e protecção social) da CRA (Constituição da República de Angola), porquanto não cumpre os seus articulados, como se pode verificar e comparar, o texto e a realidade vigente:
1. O Estado promove e garante as medidas necessárias para assegurar a todos o direito à assistência médica e sanitária, bem como o direito à assistência na infância, na maternidade, na invalidez, na deficiência, na velhice e em qualquer situação de incapacidade para o trabalho, nos termos da lei.
2. Para garantir o direito à assistência médica e sanitária incumbe ao Estado:
a) desenvolver e assegurar a funcionalidade de um serviço de saúde em todo território nacional;
b) regular a produção, distribuição, comércio e o uso dos produtos químicos, biológicos, farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;
c) incentivar o desenvolvimento do ensino médico-cirúrgico e da investigação médica e de saúde.
3. A iniciativa particular e cooperativa nos domínios da saúde, previdência e segurança social é fiscalizada pelo Estado e exerce-se nas condições previstas por lei.»
Se a Constituição diz uma coisa e o governo, em representação do Estado ou sendo o próprio Estado, que somos todos nós, anda em sentido contrário, isso tem um nome: crime!
Crime, sim, por ser tarefa do governo e dos governantes, zelar e implementar, com dedicação, uma verdadeira política de saúde pública, a favor do cidadão, logo quem pratica um crime, principalmente se este afectar a vida do cidadão, é um criminoso.
Só assim se entende não haver, desde 1975 a esta parte, um hospital público de qualidade, com meios tecnológicos e recursos humanos, capazes de um tratamento imaculado, ou próximo disso, à maioria dos cidadãos angolanos.
Isto por a minoria, os governantes, ligados ao poder, na mais pequena enfermidade, ligar os reactores dos aviões, abalando para as clínicas no exterior do país. Se essa oportunidade, não fosse só de e para alguns, não teríamos o estado calamitoso actual dos hospitais públicos, como por exemplo, o Hospital Geral de Luanda, que 6 meses após a abertura apresentava rupturas tais que teve de ser destruído, para dar lugar a outro, sem que ao cidadão fossem dadas explicações e aos responsáveis imputadas consequências, disciplinares e criminais.
É o pico da roubalheira institucional, esta estrutura edificada em 2006, teve de ser reconstruída seis anos depois, Abril de 2012, por problemas estruturais, tendo sido reinaugurado, no dia 8 de Junho de 2015, após três meses de testes aos equipamentos chineses e de treino dos técnicos. O valor das duas empreitadas terá custado cerca de 185 milhões de dólares.
No tempo colonial, muitas vezes, alguns familiares, até iam comer, durante a visita a refeição do paciente, um luxo, que hoje nem na imaginação se realiza.
Folha 8 com Lusa